segunda-feira, 28 de março de 2016

Penitenciária de Alcaçuz completa 18 anos distante da ideia original

A Penitenciária Estadual de Alcaçuz atingiu ontem sua maioridade. Inaugurado em 26 de A Penitenciária Estadual de Alcaçuz atingiu ontem sua maioridade. Inaugurado em 26 de março de 1998, o maior estabelecimento prisional do Rio Grande do Norte foi aberto com a proposta de reestruturar o sistema penitenciário, com o foco na humanização. Dezoito anos depois, sofre com problemas estruturais que atrapalham o seu funcionamento pleno, enquanto o Estado tenta arrumar medidas para tentar resolver a situação.
Superlotada, a cadeia que tem capacidade oficial de 600 presos, de acordo com a Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejuc), abriga atualmente 1.086.  Para dar conta deles, 50 agentes, ainda segundo a Sejuc, se  revesam em escalas. A quantidade é considerada insuficiente pelo sindicato da categoria. “Não temos culpa do caos”, defende Vilma Batista, presidente do sindicato.
O resultado disso são as recorrentes fugas e mortes que vêm acontecendo dentro da unidade. Os dados da Secretaria apontam para três episódios de fuga em 2016. Ao todo, somadas essas três ocorrências, 30 homens ganharam as ruas ilegalmente neste ano.
Em 1998, a unidade foi anunciada pelo governo de Garibaldi Alves Filho como  solução para acabar com os problemas gerados pela Penitenciária Central Doutor João Chaves, conhecida como o “Caldeirão do Diabo”. Passado todo esse tempo, Alcaçuz se tornou o epicentro da crise no sistema carcerário.
A construção inicial, segundo o que foi à época divulgado, custou R$ 10 milhões aos cofres públicos. Quatro meses depois de inaugurada, a penitenciária já registrou a primeira fuga. Um detento considerado de confiança saiu pela porta da frente, sem ser notado. Naquele momento os túneis, que hoje são rotineiramente encontrados sob as celas, ainda não era comuns.
De cordo com Igor Pípolo, primeiro diretor de Alcaçuz, cargo que exerceu por aproximadamente 1 ano e 10 meses, durante sua gestão houve mais quatro ou cinco casos semelhantes. Na maioria das vezes, os presidiários chegavam à rua pulando os muros. “Não se ouvia falar em ninguém cavar nada”, diz. Entretanto o período foi calmo no que diz respeito a rebeliões. Não houve qualquer registro.
Dois anos depois de abrir os portões, Alcaçuz assistiu a uma das fugas que marcaram a história do sistema penitenciário potiguar. O assaltante de bancos Valdetário Carneiros foi resgatado por seu bando. Os homens chegaram em carros com armas de grosso calibre, inclusive uma metralhadora ponto 50, usada pelo Exército, e conseguiram tirar Valdetário da unidade à força, atacando as guaritas.
Além dele, outros 28 apenados conseguiram fugir, no que se caracterizou na época como a maior fuga da história. O número foi batido em 2012, na evasão em massa que colocou 41 detentos na rua.
Os primeiros túneis começaram a ser descobertos pelos agentes penitenciários ainda no início dos anos 2000.
Atualmente, a Sejuc convive com uma realidade de uma unidade prisional que está acima de um complexo de caminhos subterrâneos cavados pelos presidiários, que há anos permitem diversas fugas.
A penitenciária construída para ser solução ao caótico do sistema penal passou a ser um dos motivos de dor de cabeça para o Executivo, que, em meio à crise orçamentária, busca encontrar maneiras para providenciar melhorias.
Providências
Dentro da crise do sistema prisional, que teve seu ápice em março de 2015, quando facções organizadas lideraram rebeliões em várias unidades, a Penitenciária de Alcaçuz se destaca. Os problemas gerados por essa instabilidade se estendem aos demais estabelecimentos carcerários, porém Alcaçuz ganha evidência por ser  o maior.
“A maior dificuldade, sem sombra de dúvidas é a superlotação. A superlotação aliada a uma estrutura extremamente precária é a combinação perfeita para essas fugas que acontecem”, resumiu o titular da Sejuc, Cristiano Feitosa.
Quando fala de estrutura, Feitosa se refere à maneira como foi construída a unidade penal. O secretário defende que as edificações são frágeis e o solo de areia que fica abaixo da penitenciária facilita o trabalho dos detentos que se propõem a cavar os túneis. “Não existe nada daquele jeito no Brasil todo”, comenta.
Segundo ele, há ainda um terceiro fator que contribui para a crise no sistema: a ociosidade dos detentos. Como não existem muitos projetos de ressocialização dentro das penitenciárias, inclusive em Alcaçuz, os presidiários passam seus dias a fazer nada enquanto cumprem a pena, o que contribui para o aumento dos planos de fuga. “Se fosse uma estrutura pelo menos segura, a situação ainda estaria péssima para eles, mas teria como conter”, afirma Feitosa.
Neste aspecto, o secretário afirma que o Executivo tem tentado angariar recursos junto ao Governo Federal para aumentar o número de vagas do sistema, o que serviria para desafogar também as celas da Penitenciária de Alcaçuz. No entanto tem havido dificuldade com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) para conseguir o dinheiro para a construção de novos presídios. “Dizem que não temos projetos de ressocialização. Como vamos desenvolver um projeto de ressocialização em uma unidade completamente superlotada? Primeiro é preciso ter espaço para eles e depois trabalhar para ressocializar. Concordo plenamente que tem que ter os projetos, mas precisamos ter onde colocar os presos primeiro”, desabafa Feitosa.
A unidade, quando projetada, tinha capacidade para encarcerar 400 homens. De acordo com Feitosa, um decreto publicado em 2013, 15 anos depois da inauguração, ampliou as para 600 o número de vagas. Segundo o secretário, não foi feita qualquer reforma que justificasse a ampliação.
“Eles (Governo Federal) seguram recursos que existem e isso para mim é um ato de crueldade, não só com os estados, mas com os internos. Eles se dizem tão preocupados com a humanização, mas não liberam o dinheiro”.
PROJETO ORIGINAL NÃO FOI EXECUTADO
O maior alvo de críticas entre o Executivo e os especialistas para o problema das fugas na Penitenciária de Alcaçuz é o projeto arquitetônico da unidade.
O projeto é resultado de uma monografia de duas arquitetas, então graduandas do curso de Arquitetura da UFRN. Lavínia Negreiros e Rosanne Azevedo de Albuquerque concluíram a graduação em 1988 e apresentaram como trabalho de conclusão a planta de uma penitenciária.
Rosanne Albuquerque, que atualmente é professora universitária, conta que a dupla realizou vasta pesquisa, chegando a ir a Brasília para visitar uma unidade penal e participar de uma reunião com representantes de vários estados brasileiros, que apresentaram as dificuldades dos presídios de cada unidade.
As duas também fizeram diversas entrevistas com os detentos que estavam encarcerados na João Chaves, para saber de seus anseios e poder montar uma estrutura que fosse beneficiar o Estado e os apenados. “Eles nos diziam que não acreditavam que o projeto seria posto em prática”, recorda. Depois das pesquisas, as duas arquitetas, ainda de acordo com Rosanne Albuquerque, então definiram um padrão para a penitenciária.
A unidade seria construída em Macaíba, em um terreno privado que as duas encontraram naquele município. “Macaíba naquela época era uma cidade em desenvolvimento, mas que já tinha uma estrutura de transporte que facilitaria o acesso dos familiares”.
Além disso, ela explica que houve uma preocupação em não utilizar um terreno dunar, como o do lugar onde hoje funciona Alcaçuz. “Pois ele é mais fácil de escavar e há uma série de preocupações estruturais para que se torne seguro”, justifica.
Rosanne conta que uma das reclamações mais recorrentes entre os detento da João Chaves dizia respeito às irregularidades processuais geradas pela falta de estrutura.
Segundo ela, muitos desses homens permaneciam presos mesmo já tendo direito de estar em liberdade, muitas vezes por não poderem comparecer às audiências porque o Executivo não dispunha de viatura para conduzi-los. Os representantes do Judiciário também não tinham como atendê-los dentro da João Chaves, pois não havia local apropriado para isso. “Então projetamos a penitenciária com um lugar especificamente para as audiências”.
O famigerado piso da penitenciária, recorrentemente criticado pela facilidade com que os presidiários o perfuram, também não foi projetado da mesma maneira da execução.
Segundo Rosanne Albuquerque, o chão tinha uma camada espessa de concreto, depois outra de grades de ferro e mais uma de concreto.
A ressocialização dos presos também foi preocupação das arquitetas. Rosanne relata que, por exemplo, o projeto previa setor de triagem. Havia setores destinados a detentos que aguardavam julgamento, para os que possuíam nível superior de ensino. Nas carceragens, os presidiários seriam divididos por tipificação de crime.“Mas eles não passariam o dia sem fazer nada”, destacou.
Os arquitetos, através das entrevistas, identificaram que boa parte da população carcerária masculina tinha profissões urbanas: pedreiros, marceneiros, etc. Elas projetaram então um outro setor, destinado ao desenvolvimento da prática profissional. Foi planejada uma cozinha pela qual os presos também eram os responsáveis. Eles produziriam a comida que seria consumida na própria penitenciária e também seria destinada a outras células do Executivo, como as escolas e creches.
Haveria ainda uma escola, para dar aulas aos apenados, onde os analfabetos seriam alfabetizados e dar cursos e oficinas profissionalizantes. Rosanne e Lavínia pensaram também em uma unidade de saúde dentro do presídio, para atender às demandas internas.
Durante as pesquisas, as arquitetas observaram como eram as visitas íntimas dos presos. “Era outra reclamação deles. Eles tinham que colocar lençol na frente das celas para se encontrarem com as companheiras”, lembra.
Para suprir essa necessidade, foi projetado um espaço dentro da cadeia destinado ao lazer. Serviria tanto de encontro com as famílias e cultos religiosos, quanto para os encontros íntimos. Tudo com local adequado e pré-determinado. “Teria vários setores em que eles passariam boa parte do dia ocupados”, afirma Rosanne Albuquerque.
O nome escolhido para o estabelecimento era “Penitenciária de Manutenção”, segundo Rosanne, porque seria uma unidade que conseguia se manter com  trabalho dos internos.
De acordo com ela, cada cela deveria ter, no máximo, cinco presos, atingindo um total de 500 homens. Depois das grades havia ainda um reforço que dificultava uma possível tentativa de fuga cerrando o ferro.
Para os presos conseguirem chegar à entrada central, ela conta, precisariam percorrer um grande espaço e pular um muro que possuía uma proteção em de cerca laminada em sua extremidade. No total, foram projetados 11 mil m² de área construída. A direção da SEJUC, entretanto, informa que a unidade tem hoje 5,9 mil quadrados de área construída.
“Quando terminamos o projeto, muita gente nos criticou justamente por motivo contrário ao que está acontecendo. Diziam que a gente tinha projetado um hotel para preso e que eles não mereciam”, recorda.
GOVERNO GOSTOU DO PROJETO
Na banca examinadora do TCC de Rosanne e Lavínia havia um arquiteto ligado ao Executivo Estadual que estava analisando projetos para a construção de um presídio, em 1988.
Naquele ano já se havia chegado à constatação de que a Doutor João Chaves não tinha mais condições de abrigar detentos. Superlotada e com estrutura defasada, a unidade não conseguia mais dar conta da demanda.
Rosanne Albuquerque lembra que o Governo analisou outros projetos e acabou escolhendo o que ela desenvolveu com Lavínia Negreiros.
De pronto, a primeira modificação foi o terreno. Segundo Rosanne Albuquerque, a lei obrigava que o presídio fosse erguido em terreno de propriedade do Estado, que não apresentasse dispêndio de recursos para a aquisição. “Eles tinham aquele terreno em Alcaçuz e então levaram para lá”.
A partir dali, foi iniciada uma licitação para escolha da empresa que iria executar a obra, porém a penitenciária só foi concluída 10 anos depois.
Rosanne conta que ela e a colega de curso e de profissão só acompanharam os primeiros dias das construções. Depois o Governo as  informou que não necessitava mais de sua presença.
Desde então, as arquitetas nunca foram chamadas por nenhuma das gestões que se seguiram à frente do Executivo para discutir os problemas que aconteceram na construção. “Nunca no pediram ajuda”.
De acordo com o relato de Rosanne Albuquerque, o projeto idealizado pelas duas não foi executado em sua totalidade e o sonho de tornar o sistema penitenciário mais humano e eficiente não saiu do papel. “É impressionante como os problemas são os mesmos. São os mesmos que víamos no Caldeirão do Diabo”, lamenta Rosanne.
CÂMERAS E REORDENAÇÃO INTERNA
O ex-diretor Igor Pípolo, atual diretor institucional do Departamento de Segurança da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e especialista na área, defende que o solo arenoso sob a penitenciária que permitiriam o fácil acesso dos presos aos túneis não é a questão mais relevante.
Para Pípolo, é preciso atentar para o material que é utilizado para as escavações. “Se eles cavam, é porque têm ferramentas. É preciso fiscalizar isso com mais revistas, adotar procedimentos e um videomonitoramento. Não dá para manter a segurança de uma unidade prisional só com as celas”, defende, alegando que chegava a realizar até cinco revistas por dia quando diretor.
Cristiano Feitosa disse ao NOVO que a Sejuc está em fase de análises de projetos para a aquisição de câmeras filmadoras para serem instaladas nas dependências da penitenciária.
“Duas empresas vão apresentar sugestões do que pode ser feito para Alcaçuz. A partir desses sugestões a gente vai formar um projeto final de videomonitoramento, inclusive par a parte externa. E aí contratar”, conta.
Com os equipamentos, a Secretaria pretende coibir, inclusive, a ação de pessoas que circulam pelas imediações da unidade e arremessam objetos por cima do muro para os presidiários.
Ainda para evitar a entrada de material ilícito no estabelecimento prisional, o secretário afirma que tem falado com a direção para tomar providências quanto aos detentos considerados de confiança. Eles têm livre circulação nas dependências de Alcaçuz, pois realizam serviços como entrega de quentinhas e retirada de lixo.
Feitosa desconfia que boa parte das ferramentas e outros materiais proibidos dentro da carceragem sejam levados por esses homens. “Muitas vezes até sob ameaça. Os outros detentos dizem que se eles não levarem o material  jogado por cima do muro irão matá-los”, explica.
Para tentar acabar com a prática, Cristiano Feitosa diz que a Sejuc vai tentar cercar o local onde vivem os detentos de confiança. Atualmente, eles ocupam a antiga enfermaria, que foi transformada em carceragem em virtude da falta de espaço para abrigar os apenados.
O lugar sendo cercado, com saída permitida somente durante os afazeres que lhes são designados, esses presos teriam menos contato com os demais, o que poderia, sob a ótica do secretário, diminuir a cooperação criminosa para a entrada de objetos.
Novo Jornal.

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